Sem campainhas, sem compassos e sem grandes prejuízos… é assim a Páscoa na região (vídeo)
Igrejas vazias, famílias confinadas cada uma à sua casa. Campainhas em silêncio, gaiteiros sem trabalho e fogo sem estoirar. Os ecrãs são, por estes dias, os melhores amigos dos católicos. Por causa de um vírus invisível, a celebração da morte e ressurreição de Jesus Cristo, este ano, remete para o seu nascimento: pobre, em manjedoura e apenas com os mais próximos por perto.
O Minho, tão rico em tradições, tem na Páscoa uma das suas festas maiores. Muitas não se vão cumprir, pela primeira vez, em séculos de história. Por isso, há quem queira banir o ano de 2020 do calendário. “Não precisamos dele para nada”, diz a brincar um dos mordomos ouvidos pelo Terras do Homem.
A verdade é que uma ronda rápida pelos organizadores de algumas tradições pascais mais emblemáticas da região mostra que, depois da desilusão inicial, a fé renasce e já se olha para 2021. Os prejuízos quase não existem e o trabalho que foi feito pode muito bem ficar para o próximo ano.
Dois exemplos no Vale do Homem e outro num concelho vizinho ilustram a mistura de sentimentos que existe entre os mordomos.
Em Oleiros, Vila Verde, tudo começa na primeira segunda-feira do ano. O novo mordomo recebe a cruz que vai acompanhar o compasso. Na igreja Paroquial pega na cruz, levando-a para a sua casa onde zelará por ela até ao dia de Páscoa.
Um ritual acompanhado pela população da terra. Já em casa, o novo mordomo oferece a todos os presentes um quarto ou meia broa de milho, vinho e figos, tal como manda a tradição.
Este ano, coube a Álvaro Araújo a tarefa de mordomo. Se o ritual do início do ano foi cumprido, a tradição do dia de Páscoa ficou na gaveta. “Ainda fomos a tempo de cancelar os contratos que tínhamos assumido”, revela ao Terras do Homem. Fez questão de “enfeitar a cruz” e “coloca-la em lugar de destaque” em casa.
Ora, a tradição em Oleiros diz ainda que a Páscoa tem duas cruzes, uma com o anterior e outra com o novo mordomo. Por isso, para o ano, Oleiros terá um novo mordomo, ainda que Álvaro fique responsável pela outra cruz. Cada uma percorre metade da freguesia e depois encontram-se na Junta de Freguesia para uma festa final.
Fiscal (com vídeo)
Os barcos novos construídos para a tradicional descida do rio Homem, em Fiscal, vão ficar na margem. A sua estreia foi adiada para o próximo ano, mas as barcaças foram retiradas da água para onde vão voltar nos próximos dias.
Maria Glória Veloso, o marido Augusto Veloso, as filhas e os sobrinhos são os mordomos da Páscoa de Fiscal. “Não tivemos nada que não seja recuperável”, começam por dizer. Já tínhamos umas coisas prontas para o rio que se aproveitam para o ano”. Também as toalhas laboradas para a ocasião podem ficar para 2021 porque “não têm data”.
Também as lembranças, ainda, não estavam impressas quando surgiu o Estado de Emergência que anulou as celebrações pascais presenciais. A vontade “é de serem mordomos para o ano” mas “ainda, não falaram nem com o pároco nem com o presidente da junta”.
Fontão, Ponte de Lima
Há uns meses, na aldeia de Fontão, no concelho vizinho de Ponte de Lima, dava-se início aos preparativos de uma das tradições pascais mais emblemáticas da região. Veio o Estado de Emergência e o tradicional almoço de Páscoa ficou em ‘águas de bacalhau’. Este ano a tradição não se vai cumprir em Fontão ou noutra localidade do país.
A tenda para cerca de 600 pessoas terá que ser montada em 2021 e a ementa de filetes de pescada, vitela assada e cabrito do monte adiada. E porque nem tudo é mau, o próximo ano ficará na história desta tradição, pela primeira vez, ter o mesmo mordomo em funções dois anos seguidos.
Arcebispo
Foi, também, através dos ecrãs que o arcebispo de Braga divulgou a sua mensagem para a Páscoa e onde apela à sociedade para não se esquecer dos pobres, marginalizados, desempregados e solitários nos “dias singulares” que o mundo vive por causa da pandemia da Covid-19.
D. Jorge Ortiga sublinhou que a solidão e o silêncio deste tempo devem conduzir a uma “solidariedade responsável”, com gestos e sinais, mais do que com teorias.
“As teorias estão a perder a sua vitalidade. Precisamos de gestos e sinais. Coisas pequenas ou grandes. O mundo de amanhã será, inevitavelmente, mais solidário e interdependente. Somos uma família. Chegou o tempo de o mostrarmos a todo o mundo”, lê-se na mensagem.
Para o arcebispo de Braga, os tempos atuais devem ser de “uma solidão habitada”, em que cada um, em vez de se fechar nos seus problemas e inquietações, olhe para o lado e cuide dos que mais precisam.