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O linho, a cortiça e o cabedal transformados em peças únicas de artesanato pelas mãos de Maria José Pereira (vídeo)

A Vila de Caldelas, em Amares, é por estes dias um lugar reservado, tranquilo e sem turistas. Nas termas, o seu ex-líbris, num ano normal já se começava a sentir o burburinho do início de uma época termal, que tem o seu arranque em maio . Num ano normal…. 2020 é completamente atípico e ficará na história da Humanidade. E até uma vila como Caldelas não lhe perderá a memória.

Ninguém sabe se este ano haverá tratamentos termais. E se sim, quando. É assim a vida dos últimos meses: ao sabor de uma curva, para já em planalto, que assinala a vontade de um vírus se propagar com muita ou pouca velocidade. A verdade é que o confinamento (palavra do ano 2020?) a que estamos todos sujeitos começa a dar sinais de rutura, sobretudo mental, e quem de direito começa a pensar em desanuviar pensamentos que podem descambar em algo mais perigoso.

Enquanto nada é decidido, Caldelas lá está: quieta, pacata, à espera…

É por aqui que Maria José Macedo Pereira encontrou, há 18 anos, um poiso para divulgar e vender o seu trabalho artesanal. Natural de Barreiros, Amares, é uma das poucas artesãs no concelho certificada e registada nas Finanças.

Nestes tempos de incerteza, aproveitou para fazer obras no espaço cedido pela Câmara de Amares, alargando-o.

É aqui que expõe os trabalhos que, com afinco e dedicação, elabora em vários materiais: linho, cortiça e cabedal.

Para distração

Pouco passava dos 17 anos de idade quando decidiu frequentar um curso de bordados, primeiro em Amares e depois em Braga. “Foi uma oportunidade que surgiu. Eu sempre gostei de trabalhos manuais, de fazer e inventar desenhos e fiz os cursos para sair de casa, para me distrair um pouco, mas sem pensar fazer disto profissão”.

Andou pela empresa da família na área dos móveis onde atendia os clientes e lhes mostrava os produtos, passou por uma empresa de louça em Barcelos, “onde gostei muito de estar”, mas um problema de saúde, por causa do cheiro das tintas, obrigou-a a mudar de poiso.

Neste período e “porque estava muito tempo em casa”, aproveitava a enorme quantidade de linho que havia lá pelas gavetas para bordar. Lentamente, as pessoas elogiavam e começaram a pedir-lhe para bordar o linho que tinham lá por casa.

Primeira exposição

Nas primeiras exposições que fez não vendia nada, por opção, daquilo que estava exposto. “Estava lá para exposição, não para venda”. Até que, numa feira em Montalegre, um casal de emigrantes insistiu tanto em comprar umas peças que Maria José foi obrigada a dar um preço: “dei valores altos porque não queria vender as minhas peças”. A expetativa foi gorada. O casal pagou o preço pedido e a primeira venda teve uma consequência: “chorei muito nesse dia porque não me queria desfazer do meu trabalho”.

Mas este seria, também, o rastilho para começar a encarar o artesanato como ganha-pão. Os trabalhos no linho eram cada vez mais apreciados e as exposições e o ‘passa a palavra’ assumiram-se como ‘os melhores amigos’ para que o seu trabalho chegasse a mais pessoas.

Toalhas de batismo, jogos de quarto, toalhas de mesa de sala, lençóis, as pessoas começaram a querer dar nova vida ao linho que tinham por casa. Ainda hoje, este é o grosso do ofício de Maria José.

Inovação

A verdade é que, com o evoluir dos tempos, os materiais começaram, também, a ser mais diversificados. Apostou na cortiça e no cabedal “muito pretendidos por turistas e com boa aceitação nas feiras”. E há outro pormenor que explica o atual sucesso da artesã: os motivos dos lenços dos namorados. Os de Vila Verde estão patentes em quase todas as peças mas o preto e vermelho característicos dos lenços dos namorados de Amares têm o seu espaço.

Já esteve em França e Espanha, já esteve em muitas feiras em Portugal, sempre a representar o Município de Amares, mas gosta de ir a título individual à feira na Foz do Douro e às Astúrias, Espanha.

Borda tudo à mão e uma espécie de calo na mão é a prova desse esforço: “bordar à máquina é estragar”. Assume que o artesanato não é barato até porque, no mínimo, são dois dias de trabalho. “A cabeça precisa estar no sítio, preciso estar bem-disposta para combinar as cores porque isso é fundamental para a qualidade e a beleza do produto final”.

Desafios ou trabalho mais complicado, como se preferir, já lhe apareceram: “um livro bordado só com tons de azul, candeeiros só com determinadas cores ou material para umas bodas de ouro só com determinados dizeres”.

O desenho é feito, primeiro, em papel vegetal e só depois é que passado para o linho ou a cortiça: “não tenho preferências. Gosto de fazer tudo”.

Caldelas

Fosse 2020 um ano normal e Maria José já estava, desde março, permanentemente em Caldelas onde fica até novembro, altura que fecha a loja e muda-se para casa: “trabalho muito em casa porque tenho bastantes encomendas e porque preciso ter ‘stock’, não só para expor na loja mas também para levar a feiras”.

Para além de Portugal, tem clientes em França e no Brasil “de onde tenho, cada vez mais, encomendas”.

Caldelas “podia ter mais gente vinda de fora”. Ainda assim, no ano passado houve mais visitantes do que o normal: “sobretudo espanhóis e ingleses. Também nas Termas apareceram pessoas novas”. É este dinamismo que espera se mantenha nos próximos anos (esqueça-se 2020).

Gente nova

Se as redes sociais são um ótimo veículo para apresentar o seu trabalho, “recebo muitas encomendas assim”, a verdade é que pela loja tem aparecido pessoas novas entre os 20 e os 40 anos que “gostam e valorizam o artesanato” assumindo-se, nesta altura, como os principais clientes.

O futuro só tem um desejo: “gostava que as termas abrissem”. Isso só o povo e um tal de corona poderão dar a resposta. O primeiro pela forma como se comportar, o segundo pela forma como se propagar. “Tenhamos esperança”.

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