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Conceição Gonçalves: a paixão das marchas e o sonho de um museu (com vídeo)

Natural de Moçambique com passagem por França e desde pequenina residente em Amares, hoje em Caires. A paixão da costura vem desde nova. Já sugeriu haver formação de costura no concelho, situação que a pandemia até lhe veio dar razão. Conceição Gonçalves tem uma ‘paixão assolapada’ pelas marchas de Santo António.

Hoje é a responsável pela marcha popular, uma das mais históricas, e uma visita ao seu atelier é um mergulho na história de uma tradição popular que este ano não saí à rua. O Terras do Homem entrou no seu espaço e trás um cheirinho colorido, cheio de adereços e muita dedicação.

Costureira de profissão, onde os cortinados assumem protagonismo, Conceição tem uma mesa recheada de máscaras, feitas por ela, porque os tempos atuais requerem todos os cuidados. Como toda a paixão, o calor das palavras, o brilho nos olhos e alguma desilusão nas palavras marcam uma conversa onde a criatividade, a imaginação e o empenho são evidentes.

Tudo começou em 2002, quando Filomena Barbosa fundou a Marcha Popular. Conceição disse que sim e hoje é a única resistente desse tempo, ou quase. “As coisas não foram correndo bem e em 2008 passou-me a marcha”. Houve divisões e criaram-se outras marchas. Até esse ano, Conceição só dançava. “Gostava de ajudar em tudo e como se viram resultados foi-me entregue a marcha”. A partir daí começou a confecionar.

“A criatividade já nasce com as pessoas, é preciso ter muito gosto, ter uma família para ajudar, sermos felizes e enfrentar tudo e todos”, são os ingredientes que apresenta para continuar ‘apaixonada’ por isto. De há dois anos para cá, assumiu, totalmente, os destinos da marcha.

Bombeiros: o tema adiado para o ano

“Todos os anos há um tema, mas nos últimos anos têm sido os melhores porque também nos agarramos à terra. No ano passado fizemos o Gualdim Pais, já fizemos o vinho verde, os noivos de Santo António e este ano escolhemos os Bombeiros de Portugal que continuaremos para o ano”.

Conceição não tem dúvidas: “as coisas têm vindo a melhorar bastante porque quando existe muita gente à frente de uma marcha é muito mais complicado. Agora, comecei sozinha a fazer as coisas ao meu gosto”.
A verdade é que arranjou um ‘parceiro’ “dedicado que me ajuda na parte da coreografia, da letra e na coordenação do grupo que é o Fernando Fernandes, funcionário da Câmara”.

Marchantes

A Marcha Popular tem tido “alguma renovação, não que seja importante”. As pessoas que a integram “são da terra, gente nova, a mais velha sou eu, eles vêm ter connosco porque querem participar”.

Os ensaios são sempre a parte difícil. “O coreografo vê-se aflito, mas as coisas vão lá. Este ano, já tínhamos começado os ensaios, fizemos quatro, já toda a gente sabe a música e letra de cor porque se empenham bastante, é dos melhores grupos que eu tive, está muito bem orientado”.

Conceição recorda-se que há 12 anos, quando tomou conta da marcha, “ainda havia pessoas mais velhas que iam se metendo e eu recuava”. No entanto, desde que está à frente da marcha trabalha com o Fernando Fernandes: “não tem vaidades, trabalha também por gosto, é um apaixonado e ao contrário de alguns, sabe dar valor”.

Os padrinhos “fantásticos” são Fernando Silva que “já é padrinho há muitos anos” e Vereadora, Cidália Abreu.

Um traje demora uma semana

A Marcha Popular tem 55 elementos. É Conceição que faz os trajes de toda a gente. “Um traje de mulher, a trabalhar 8 horas por dia, demora uma semana a fazer com boas máquinas e boas mãos, não chegava um ano para fazer todos”. Por isso tem a ajuda “preciosa” de uma irmã e ainda leva trabalho para casa. “Tudo o que é para fazer à mão, faço em casa porque no atelier não consigo”.

É o gosto dos marchantes pelos trajes que a segura, que a faz “querer continuar porque isto, às vezes, cansa”. É que este trabalho “não é pago como deveria, não temos dinheiro para isto”. Daí fazer cortinados e outras costuras para “ganhar a vida. Os trajes é um gosto”.

Reciclagem

Outra das preocupações da modelista é reciclar materiais ou acrescentar novos aos trajes feitos por ela. É, por isso, por exemplo, que “os trajes do vinho são novos, tenho um de cada cor” que iriam apresentar em Amares e Melgaço, mas a pandemia não deixou.

Os destes ano já estavam a quase concluídos. “O tema surge antes do final do ano até para fazer as compras e ver materiais, porque gosto do melhor”. Quando as coisas melhorarem e havendo saídas “iremos com os trajes que já temos, seja do Gualdim Pais, do vinho verde ou das noivas de Sto. António”.

“Eu também estou a remodelar algumas roupas que gostava como a dos peixes e pescadores, as mais antigas fui fazendo reciclagem porque não deito nada fora”.

 

Marcha popular que passou a ser, também, da União de Freguesias
A Marcha Popular passou a representar a União de Freguesias de Ferreiros, Besteiros e Prozelo: “uma das maiores freguesias do concelho não tinha uma marcha com o seu nome”.

Conceição falou com o presidente da Junta que passou a apoiar a marcha. “Dever-se-ia dar mais valor, só quem participa, que gasta muitas horas em ensaios percebe o trabalho disto, quem está de fora não dá muito valor”.

 

Um sonho de um museu
No atelier é possível ver todos os trajes expostos por temas. “Vão ficar sempre aqui”. Mas Conceição tem um sonho: “gostaria que existisse uma espécie de museu das marchas com todos os trajes, de todas as marchas, feitos ao longo dos anos, era importante. As pessoas dariam mais valor porque poderiam apreciar. Só no Sto. António ou em agosto é muito pouco”.

E deixa uma sugestão: “na Galeria de Artes, durante as Festas de Amares poderiam existir uns manequins com os trajes anteriores, tal como há com os andores”.

 

Marchas o ex-líbris das Festas de Amares
Hoje as marchas têm muita mais importância nas Festas de Amares e movimentam muita gente. Comparando os filmes desde 2004, dá para ver que, nessa altura, não havia bancadas, eram umas fitas a demarcar o espaço, pouca gente… e neste momento não é nada assim. “É o dia que traz mais gente e por isso, deveriam ser mais apoiadas. Antes uns meses deveriam fazer-se reuniões, ver o que é preciso, ir acompanhando e não se faz isso, infelizmente”.

Um concurso como existe em Lisboa poderia ser um incentivo extra: “o dinheiro é igual para todas as marchas e a diferenciação fazia-se por esse prémio extra. Ajudava a qualidade a aumentar, ao envolvimento das pessoas até porque todos os anos os temas, as letras, as músicas as coreografias são diferentes”. E é isto que faz a diferença e leva as pessoas a irem a Amares.

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