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‘Canhões’ de regresso a Terras de Bouro

A câmara de Terras de Bouro quer criar um centro interpretativo na célula defensiva, ali para os lados de Vilarinho das Furnas e, para isso, está a requalificar os canhões e outro material de guerra que existia no local. A ideia é voltar a coloca-lo nos lugares originais dando aos visitantes a oportunidade de perceber como o concelho se defendia dos ataques nas invasões francesas.

Mas, segundo revelou o presidente da câmara de Terras de Bouro, Manuel Tibo, ao ‘Terras do Homem’, “o projeto é mais alargado e ambicioso”.

A célula defensiva de Bouro Oriental compreende as freguesias de Campo do Gerês, de Brufe e de Covide, no concelho de Terras de Bouro e é composta por diferentes elementos, que se pretendem intervencionar numa ação de valorização e interpretação, a designar: na margem esquerda do Rio Homem, encontram-se a designada Trincheira de São João de Campo e a Casa das Peças, bem como a Casa do Facho; do outro lado do Rio Homem, na Serra Amarela, localizam-se a Trincheira da Serra Amarela e as Casarotas.

Os elementos identificados, ainda que edificados em cronologias diferentes, desempenharam, durante as Invasões Francesas, um importante papel na estrutura defensiva e na organização do território de Bouro.

Trincheiras
A Trincheira de São João de Campo e a Casa das Peças estão localizados numa pequena península da albufeira da barragem de Vilarinho das Furnas, na margem esquerda do Rio Homem. A parte conservada da Trincheira encontra-se entre os 600 e 650 metros de altitude, na Serra do Gerês, e no acesso à Mata de Albergaria, em área protegida e integrada no Parque Nacional da Peneda-Gerês.

A Casa do Guarda estaria localizada num sítio denominado Padrões de Cal, onde jaz parte de um padrão, numa posição muito próxima à Trincheira de S. João de Campo, na mesma península.

Sobranceiro ao vale do Rio Homem, numa posição privilegiada e estratégica, estaria localizada, no Monte Picote, ou “Picota”, a Casa do Facho, que assumia o controlo e coordenação dos restantes elementos defensivos.

A Trincheira da Serra Amarela e as Casarotas localizam-se na Serra Amarela, na Chã do Salgueiral, local de defesa da célebre fronteira Portela da Amarela, já desde a Idade Média.

Fortificações históricas
A Fronteira da Portela do Homem assumiu grande relevância durante o período de consolidação e formação da nacionalidade. Neste período, os habitantes do território de Terras de Bouro desempenharam um papel fundamental como zeladores e guardiões do Castelo de Bouro, documentado nas Inquirições de 1220 e posteriormente em 1258.

Os esforços constantes e o carácter belicista das comunidades foram reconhecidos pelo Rei Afonso II, que conferiu privilégios aos moradores do concelho de Terras de Bouro e do extinto concelho de Santa Marta de Bouro, bem como do debelado Couto de Souto e Couto de Mosteiro de Santa Maria de Bouro.

Não obstante estarem isentos do serviço militar, como privilégio régio, estavam obrigados a zelar e a defender o Castelo de Bouro e a fonteira da Portela do Homem.

É neste contexto que a Trincheira de São João do Campo é construída como um dos instrumentos de defesa da linha da raia seca, estrategicamente posicionada na margem esquerda do Rio Homem, num ponto de convergência entre a Serra Amarela e a Serra do Gerês com vista privilegiada para a fronteira da Portela do Homem, muitas vezes ameaçada por invasões hostis.

O local em questão compreende um legado histórico que perpassa muitos séculos, numa diacronia histórica que deixou vestígios ao longo do tempo. A trincheira está adjacente à milha XXIX da Geira, a denominada Via XVIII do itinerário de Antonino, cujo traçado fazia a ligação entre Bracara Augusta e Asturica Augusta e foi uma das vias de comunicação terrestre mais usada durante o domínio romano na Hispânia.

“Uma vez que o traçado da Via XVIII se insere no sopé da margem esquerda do vale do Homem transformou-o num trajeto altamente vulnerável ao invasor. Desde então, este corredor natural foi incluído nos itinerários preferidos pelos comerciantes, pelos peregrinos entre Braga e Santiago de Compostela e nos movimentos político-militares”, refere Rosa Silva, no livro ‘O Gerês, De Bouro a Barroso’.

Casa do Facho
A Trincheira de São João de Campo foi construída sob a égide do Rei D. João I e sofreu posteriores transformações. Nos reinados de D. João IV e D. João V foi uma das estruturas militares que integravam a organização defensiva da Fronteira da Portela do Homem, composta por sete unidades na totalidade, de referir, o Castelo de Bouro, as Casas do Facho, a Casa da Guarda, a Casa das Peças, as Trincheiras de S. João de Campo e da Serra Amarela e as Casarotas.

Especificamente, nas proximidades da Trincheira de S. João do Campo, encontram-se outras estruturas de apoio aos sentinelas que ficavam a vigiar o Posto. Estas edificações estão documentadas, como a Casa das Peças, para armazenamento de guarnições bélicas, e a Casa do Guarda, que acolhia o guardião da Trincheiras, não sendo possível afirmar se são coevas ou posteriores à construção da Trincheira.

Esta célula defensiva controlada pelos habitantes de Bouro, conforme providência régia, seria controlada e coordenada pela Casa do Facho, situada numa plataforma mais elevada, no monte Picote, com uma grande visibilidade para a zona de fronteira.

Relativamente ao Castelo de Bouro existem muitas dúvidas quanto à sua localização exata, devido à ausência de vestígios. O sítio que reúne mais consenso, entre os autores, parece ser em Chã do Castelo, em Sta. Isabel do Monte.

A informação mais fidedigna que possuímos configura nas Inquirições de 1220, cujo relato diz “é um dos castelos de madeira que na arquitetura medieval precederam os castelos de pedra no sistema de defesa feudal”.

Proposta de intervenção
A proposta de intervenção, preconizada pela Câmara de Terras de Bouro com vista à valorização da Célula Defensiva de Bouro, preconiza converter a Trincheira de São João do Campo, a Casa das Peças, a Casa do Facho, as Casarotas e a Trincheira da Serra Amarela em diferentes pontos de interesse de valor histórico e cultural, de forma a promover a sua consequente salvaguarda e proteção, bem como a sua articulação com outros recursos já valorizados do município de Terras de Bouro (Geira, Museu da Geira, Porta do Parque Nacional da Peneda-Gerês, Museu Etnográfico de Vilarinho da Furna).

A intervenção de valorização dos recursos patrimoniais, mas também paisagísticos, irá permitir transformar os pontos de interesse da Célula defensiva de Bouro em Pontos de promoção e de divulgação do legado histórico e da paisagem, com particular destaque para a Trincheira de São João do Campo e Casa das Peças.

Estes dois pontos de interesse, pela sua proximidade, mas também pela sua localização, serão o núcleo central da valorização e interpretação da Célula Defensiva de Bouro. Por se tratar de uma área protegida, mas também pela valência que per si este local (Trincheira de São João do Campo e Casa das Peças) apresenta, a proposta de valorização centra-se no recurso, num preceito de intervenção mínima, o que se estende aos demais locais, concretamente a Casa do Facho, as Casarotas e a Trincheira da Serra Amarela.

Para a Trincheira de São João do Campo e Casa das Peças é proposta a criação de um pequeno percurso pedonal, que leva o visitante desde o parque de estacionamento (localizado à entrada da estrada da Mata da Albergaria) até ao recurso patrimonial e paisagístico, que será objeto de interpretação.

Na criação do percurso pedonal, bem como na interpretação do recurso patrimonial, serão utilizados materiais que têm a finalidade de valorizar e consciencializar o público em geral do valor patrimonial presente, mas também para a necessidade de sustentabilidade e respeito pelo meio.

Os instrumentos de valorização a implementar neste local são:
i) Percurso Pedonal
Trata-se de um pequeno percurso pedonal que leva o visitante deste o parque de estacionamento (localizado à entrada da estrada da Mata da Albergaria) até ao recurso patrimonial e paisagístico, Trincheira de São João do Campo e Casa das Peças.

Para a implementação deste percurso pedonal serão utilizados os materiais:
• Suporte vertical, com informação do percurso e do recurso patrimonial, com conteúdo informativo bilingue (PT e EN), a implementar em área limite ao parque de estacionamento.
• Sinalética vertical direcional – elaborada em aço corten com a marcação do percurso (informação direcional) pedonal

ii) Interpretação da Trincheira de São João do Campo
Para interpretação deste recurso patrimonial e paisagístico, partindo de um princípio de intervenção mínima, prevê-se a criação de um ponto interpretativo que será orientado para a Fronteira da Portela do Homem, com vista panorâmica para a albufeira de Vilarinho das Furnas.

Este ponto interpretativo será dotado de painel “tipo” leitor da paisagem com conteúdo informativo bilingue (PT e EN) e conteúdo identificativo em braille, bem como com a representação do perfil de um canhão (inspirado no perfil dos canhões originais desta trincheira e em exposição na Galeria dos Miliários), elaborado à escala real, assente numa plataforma criada em plástico reciclado, deck com textura antiderrapante.

iii) Interpretação da Casa das Peças
O conjunto de interpretação da Trincheira de São João do Campo será complementado com colocação de suporte vertical de reconstituição volumétrica do que poderá corresponder à Casa das Peças.

Nas Casarotas e na Trincheira da Serra Amarela, bem como na Casa do Facho, será implementado o mesmo princípio de intervenção mínima, tendo em consideração a localização destes elementos patrimoniais.

iv) Interpretação das Casarotas e da Trincheira da Serra Amarela
Para interpretação deste recurso patrimonial e paisagístico, partindo de um princípio de intervenção mínima, prevê-se a colocação de uma Mesa de Leitura, que será orientado para a Fronteira da Portela do Homem, com vista panorâmica para a albufeira de Vilarinho das Furnas. Esta mesa “tipo” leitor da paisagem terá conteúdo informativo bilingue (PT e EN) e conteúdo identificativo em braille.

v) Interpretação do Casa do Facho (Monte Picote)
À semelhança da interpretação das Casarotas e Trincheira da Serra Amarela, também na Casa do Facho será colocada uma Mesa de Leitura orientada para a Fronteira da Portela do Homem, com vista panorâmica para a albufeira de Vilarinho das Furnas. Esta mesa “tipo” leitor da paisagem terá conteúdo informativo bilingue (PT e EN) e conteúdo identificativo em braille.

Além da interpretação in loco, com informação histórica e atual, para estes recursos patrimoniais será criada uma app, de modo a que mais informação e interpretação possam ser disponibilizadas ao visitante, evitando também sobrecarregar os locais com estruturas informativas e interpretativas.

A app contemplará igualmente os conteúdos em formato áudio. Trata-se de Guia Multimédia com áudio, texto, vídeos e imagens, ativados através de coordenadas GPS ou por leitura QR Code. Este Guia Multimédia, que comportará outros pontos de interesse do Município de Terras de Bouro, oferecerá aos visitantes mais do que conteúdos. Será possível criar rotas de visita e integrar com google maps para obter direções, de modo a calcular as melhores opções de visita.

Locais de turismo
Segundo o presidente da Câmara de Terras de Bouro, todas as intervenções previstas na chamada célula defensiva, “para além da interpretação e valorização dos diferentes recursos patrimoniais e paisagísticos, no caso da Trincheira de São João do Campo e Casa das Peças, que este ponto de entrada da Mata de Albergaria seja um ponto de atração do visitante e não apenas um ponto de passagem, permitindo também desmobilizar alguma pressão, bem como densidade de circulação da estrada do interior da Mata de Albergaria, que nos meses de Verão é amplamente excedida”.

Manuel Tibo pretende “converter estes locais em novos pontos de interesse no município de Terras de Bouro e num ponto de paragem obrigatória, especificamente na Trincheira de S. João de Campo, aproveitando para dinamizar as infraestruturas de apoio preexistentes, como o parque de estacionamento e o parque de merendas”.

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