Estudo revela quem são os Bantu e qual é o seu legado
Recorrendo a uma amostra sem precedentes de 117 grupos etnolinguísticos de vários pontos do continente africano, uma equipa internacional de que fazem parte dois investigadores do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (BIOPOLIS-CIBIO) da Universidade do Porto, realizou o estudo mais completo até agora publicado sobre a história e a diversidade genómica das populações de línguas Bantu.
Para designar o plural de pessoa no norte de Angola usa-se a palavra wantu, no sul de Moçambique vanhu, em Nairobi, no Quénia, watu e na Cidade do Cabo, na África do Sul, batho.
A causa destas semelhanças foi a rápida dispersão pela África subequatorial de populações oriundas da fronteira entre a Nigéria e os Camarões, com idiomas muito semelhantes que deram origem às línguas atualmente agrupadas na família Bantu. Com início há cerca de cinco mil anos, a expansão dos povos Bantu foi facilitada pelo domínio da agricultura tropical e da metalurgia do ferro e modificou completamente a paisagem genética, linguística e cultural do continente africano, até então dominada por grupos muito diversos de caçadores-recolectores.
Hoje, há cerca de 500 línguas Bantu faladas por 350 milhões de pessoas em toda a África. E apesar da sua grande dispersão geográfica, as variedades do Bantu continuam a ser notavelmente semelhantes – uma prova de que as migrações foram tão rápidas que não houve tempo para se acumularem muitas diferenças entre as línguas que se iam espalhando pelos quatro cantos do continente.
Com o objetivo de estudar a história da expansão dos povos de língua Bantu, uma equipa multidisciplinar de geneticistas, arqueólogos e linguistas, coordenada por Carina Schlebusch da Universidade de Uppsalla, na Suécia, analisou a diversidade genómica de 1763 indivíduos provenientes de 147 populações de 14 países africanos. O trabalho, publicado ontem na revista Nature, também inclui a sequenciação de DNA antigo, extraído das ossadas de 12 indivíduos, com idades compreendidas entre 97 e 688 anos.
Os resultados desta investigação mostram quais foram as rotas seguidas pelos grupos que disseminaram as línguas Bantu depois de saírem da África Ocidental e atravessarem as florestas húmidas da bacia do Congo. O estudo também revela como, no decurso das suas migrações, os povos Bantu se misturaram com diferentes grupos locais de caçadores recolectores e como é possível datar os momentos em que as interações se iniciaram e usar essas datas para calcular o ritmo da expansão.
“É um ritmo surpreendentemente regular, tendo em conta que os povos Bantu se deslocaram de Norte para Sul, seguindo rotas em que as paisagens, o clima e a disponibilidade de recursos estavam constantemente a mudar” afirma Jorge Rocha, professor da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e investigador do BIOPOLIS-CIBIO, que participou no estudo com o seu aluno de doutoramento Armando Semo, natural de Moçambique e bolseiro Programa de pós-Graduação Ciência para o Desenvolvimento da Fundação Calouste Gulbenkian, em parceria com a Fundação para a Ciência e a Tecnologia.
Os mapas de afinidade genética produzidos por esta investigação mostram ainda que há uma sobreposição assinalável entre as semelhanças genéticas dos diferentes grupos estudados, as grandes divisões linguísticas no interior da família Bantu e a posição geográfica das populações. No entanto, também foram identificadas na Zâmbia zonas de contacto entre correntes migratórias provenientes de diferentes regiões que acabam por baralhar a correspondência entre os genes as línguas e a geografia.
Para Armando Semo e Jorge Rocha, que contribuíram para este trabalho com a caracterização genética detalhada de populações de Moçambique e Angola, uma das vantagens do projeto foi a integração de vários estudos regionais num grande estudo que cobriu a variação genética e linguística de todo o continente africano, contribuindo para desvendar os segredos de um dos movimentos migratórios mais importantes da história da humanidade.