Aos 75 anos de idade, Marcos Rodríguez Pantoja, conhecido mundialmente como “Mogli Espanhol”, ou “Homem Lobo”, já foi alvo da tese de uma antropologia e de livros, protagonizou o filme “Entre Lobos”, está radicado numa pequena aldeia, no Parque Transfronteiriço Gerês/Xurés, do lado galego da Serra do Gerês.
Quem o vê, sem mais, não imagina que viveu doze anos, em plena infância e adolescência, junto dos lobos ibéricos, em Sierra Morena, tendo sido resgatado, pela Guardia Civil, entre uivos de alcateias, devolvido ao pai, que não o aceitou de volta, após o ter vendido a um fazendeiro.
Marcos Rodríguez Pantoja nasceu em junho de 1946, em Añora, Córdoba, num ambiente de profunda miséria. Aos três anos viu a mãe ir trabalhar para Madrid, onde viria a morrer poucos meses depois, ficando a criança, na companhia do pai e de uma madrasta, Araceli, com mais dois irmãos.
Foram sujeitos a permanentes maus tratos por parte da madrasta e perante um pai, Melchor, tomado pelo alcoolismo, que se cansou das queixas que lhe fazia a companheira.
Começou por viver numa gruta com o velho pastor a que haveria em princípio de suceder, no apascentar das cabras, mas a morte inesperada do ancião, depois comido pelos abutres, obrigou Marcos a sobreviver, sempre sozinho, apenas com o seu instinto de sobrevivência e os ensinamentos do eremita.
Os guardas florestais haveriam de descobri-lo, tinha ele mais ou menos 20 anos de idade, entregando-o à Guarda Civil de Fuencaliente, tratado por um “Polícia de Menores”, seguindo para uma instituição religiosa, em Madrid, onde foi ajudado por um jovem padre, Juan Luis Galvéz, a terminar os estudos na capital.
Mais tarde, Gabriel Janer Manila, o conceituado antropólogo e professor da Universidade das Ilhas Baleares, interessou-se pelo caso peculiar de Marcos, aferiu durante anos sobre a veracidade dos relatos e a partir de situações análogas, um pouco por todo o mundo, condensou uma tese acerca de tais fenómenos de sobrevivência e de choque profundo no contacto com a civilização, tendo celebrizado o “menino lobo” com os seus livros, um dos quais “Entre Lobos”, daria título a um filme de Gerardo Olivares, que eternizou Marcos.
Explorado por patrões sem escrúpulos
Após alguns anos sucessivos, já em Palma de Maiorca, onde trabalhou sempre em hotéis, restaurantes e cafés, Marcos Rodríguez Pantoja rumou para Málaga, mais concretamente para a localidade de Fuengirola, onde o alcalde local, graças ao conhecimento da sua vida, conseguiu-lhe uma pensão não contributiva, o seu único rendimento em Rante, frente à Serra do Gerês/Xurés.
Enganado por patrões da construção civil, teve que recorrer ao apoio informal da Guardia Civil para receber algum dinheiro, situações que o foram desiludindo em relação aos seres humanos, apreciando, cada vez mais, os animais selvagens.
Valeu-lhe que um guarda civil reformado, Manuel Barandela, quando foi visitar um filho a Málaga, ao ver que Marcos dormia num edifício em ruínas, sabendo então de quem se tratava, convidou-o a ir viver para a sua quinta, na aldeia de Rante, já sobranceira para o lado galego da Serra do Gerês.
Residiu com aquele que era o seu “padrinho”, mais a mulher desde, Ester Barandela, até à morte do casal, cujos herdeiros o despejaram. Vive, desde então, numa casa pequena, cedida por um vizinho, que vai consertando ajudado pelos Amigos das Arbores de Limia, só saindo daquela aldeia para dar conferências, como sucedeu, recentemente, em Madrid.
Depois da morte de Manuel Barandela, uma outra referência importante para Marcos é o galego Maximino Fernández Sendín, o especialista em energias renováveis, que se dedica à escrita. Diretor do Museo Etnográfico Pazo da Cruz, de A Hermida-Covelo, em Pontevedra, Manuel Barandela considera que “Marcos tem sido explorado toda a sua vida, só agora lhe começa a sorte a sorrir um pouco, ele tem sempre muito para nos contar, é interessante”.
“O homem é o lobo do homem”
Na aldeia de Rante, do concelho de San Ciprián de Viñas, Província de Ourense, Galiza, Marcos recebeu o Terras do Homem, no único café da terra, o Campo, rodeado de amigos, desfiando memórias.
Colocado perante os contrastes entre a vida com os animais selvagens e os anos de trabalho que se seguiram à sua saída de Sierra Morena, em especial nas Ilhas Baleares, onde foi quase sempre explorado, sobrevivendo agora de uma pequena reforma, não hesita em confessar ter saudades dos tempos vividos com lobos e águias.
“Os homens são muito mais perigosos do que os lobos, pois ao contrário dos animais, os homens, tantas e tantas vezes matam por prazer, não por necessidade, como sucede com as alcateias esfomeadas, de facto, como se diz, o homem é o verdadeiro lobo do homem”.
Recorda que “tantas vezes me enganaram, eu não sabia o significado do dinheiro, cheguei a pensar que se podia comer sem pagar, depois aceitei trocar uma nota de 50 pesetas por três moedas de uma peseta, pois pensava que ficava a ganhar, mas o que mais de custou, nesses anos de trabalhos pesados, foi não receber quase nada, a não ser só a alimentação”.
Marcos Pantoja recorda os doze anos vividos entre feras, num espaço curiosamente com a mesma dimensão, aproximadamente, do Parque Nacional da Peneda-Gerês, que é o do atualmente Parque Natural Sierra Morena de Andújar, situado na Andaluzia, em Espanha, continuando a cada passo a interagir com exemplares do lobo ibérico, brincando com eles como quem se diverte com cães domésticos.
Recorde-se que o filme “Entre Lobos” acaba com o “Mogli Espanhol” deitado, no cimo de uma fraga, acariciando um belo canis lupus.
Habituou-se, durante mais de uma década, a repartir a caça com os lobos, a tratar aqueles que se feriam, sabe como agir com eles, dizendo que “eles não matam por matar, matam, apenas, por fome, por uma questão de sobrevivência, porque, aliás, eles são predadores”.
Mas, ainda segundo o outrora “menino lobo”, aquela espécie animal, com um Estatuto de “Em Perigo”, em Portugal, cujo abate foi recentemente proibido, igualmente em Espanha, “só em circunstâncias muito especiais” ataca seres humanos.
“Só em defesa perante ataques contra a alcateia, pois caso contrário ele foge do homem, ele tem medo do homem, porque ele sabe daquilo que o homem é capaz de fazer-lhe, ele quer é distância do ser humano e não é por acaso que avista o homem, mas sempre ao longe, nunca indo ter com o homem”.
[arve url=”https://youtu.be/H4mJhK2opoE” /]