A guerra faz-nos perceber o ESSENCIAL
Num momento conturbado no panorama mundial, tantas vidas se perdem e tantas famílias são desfeitas ou separadas. Mas é nestas alturas também que se percebe o que é essencial e o que é supérfluo. Os ucranianos estão a senti-lo no seu dia a dia e os europeus, acompanhando os relatos diários através dos meios de comunicação ou redes sociais, sentem-se, por um lado, impotentes perante tamanha tragédia, mas por outro mostram conhecer o valor e sentido da palavra solidariedade, quer no envio de meios de subsistência (coisas que damos habitualmente como adquiridas e que fazem parte do nosso quotidiano) quer na receção de milhares de deslocados que só pretendem viver com um mínimo de dignidade e tentar refazer vidas na esperança que os senhores da guerra PAREM e eles possam voltar ao seu país natal.
Ao reparar no que os refugiados trazem, sou levado a questionar-me: o que é essencial e o que é supérfluo nesta vida? Vemos muitas mães com filho(s) pela mão e uma simples mala, não a de cartão, como a cantada pela Linda de Suza referindo-se aos emigrantes portugueses de outros tempos. Os nossos partiam habitualmente sozinhos, por cá tinham pouco, fugiam da miséria (ou da hipótese de ir para a guerra) e iam em busca de um futuro melhor. Estes novos emigrantes que (também) fogem da guerra, tinham, maioritariamente, boas condições de vida e caminham rumo ao desconhecido com filho(s) pela mão, tentando sobreviver. A única semelhança (também diferente) é que habitualmente eram os nossos homens que e agora é o oposto, são elas que partem e eles – muitos, obrigados – ficam.
Esta guerra leva-nos a perceber o essencial: uma família, um lar e bens de 1ª necessidade para que não passemos fome e possamos estar protegidos (também) do frio.
Esta ESTUPIDEZ de conflito que só pode sair de mentes (e como elas mentem) perversas traz, felizmente, o reverso da medalha: a solidariedade; o ajudar sem olhar a quem; o tirar a camisa para outro poder vestir; a partilha de espaço familiar com gentes de outras culturas que tiveram um azar na vida – terem nascido num país que faz fronteira com dois lados de uma barricada que se guerreava de forma surda e agora usam o espaço que se queria neutral para despejar lá toda a destruição possível e inimaginável – em pleno século XXI – tentando medir quem tem mais e maior poder bélico.
O desporto em geral e o futebol em particular que sempre serviram para unir povos, através da sua visibilidade mediática, têm feito a sua parte, pedindo o fim do conflito e dando apoio concreto. Tem sido usado também para penalizar o país agressor que, ironicamente, sempre o usou como forma de propaganda e de expansão dos seus tentáculos. Por cá, entre muitas outras iniciativas, o Estádio de Leiria transformou camarotes em quartos e vai receber cerca de duas dezenas de famílias. A FPF criou um progama “cada clube, uma Família” onde como o próprio nome indica, cada clube assumirá o apoio a uma família em concreto. Os estabelecimentos de ensino, professores, alunos e assistentes operacionais também irão cumprir a sua função apoiando as centenas de estudantes ucranianos que escolheram Portugal como porto de abrigo.
Saibamos todos perceber, através desta guerra sem sentido, o que é essencial – que as famílias ucranianas se sintam protegidas e queridas (no duplo sentido do termo) até que possam voltar a reunir-se (e) na reconstrução do país.
Carlos Mangas [Professor de Educação Física]