Lúpus regista atraso mediano de 2 anos até ao diagnóstico
O Lúpus Eritematoso Sistémico (LES), uma doença autoimune sistémica que pode afetar diversos órgãos e sistemas1, regista um atraso mediano de 2 anos até ao diagnóstico. O atraso no diagnóstico afeta, não só, a perceção pessoal sobre a atividade da doença, mas também o impacto da doença na vida diária das pessoas que vivem com LES.
De acordo com Fernando Pimentel-Santos, Presidente da Sociedade Portuguesa de Reumatologia (SPR) este atraso deve-se a “vários motivos” relacionados com os “sintomas variados e inespecíficos, com a natureza episódica da doença ou ainda com a falta de exames definitivos”.
O alerta é dado por ocasião do Dia Mundial do Lúpus, que se celebra a 10 de maio, com o objetivo de aumentar a consciencialização sobre o LES, tanto ao nível da população em geral como da comunidade clínica e melhorar os cuidados nesta área. Estes objetivos servem também de mote à campanha “Lúpus: Quando a LUPA desvenda o mistério”, lançada neste dia, e que é uma iniciativa da Associação de Doentes com Lúpus, da Liga Portuguesa Contra as Doenças Reumáticas (LPCDR), da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF), da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI), da Sociedade Portuguesa de Nefrologia (SPN), da SPR, da Associação Nacional das Farmácias (ANF) e da AstraZeneca.
Com uma mortalidade cinco vezes superior em doentes mais jovens (<45 anos), estima-se que o LES afete mais de 3,4 milhões de pessoas em todo o mundo. Esta é uma doença crónica e complexa em que o sistema imunitário ataca de forma inadequada os tecidos saudáveis do organismo. O LES pode apresentar várias manifestações clínicas e pode afetar diversos órgãos, causando dor, erupções cutâneas, fadiga, inchaço nas articulações e febre. “Devido à grande heterogeneidade sintomatológica, o diagnóstico torna-se frequentemente um desafio”, aponta Carlos Carneiro, Presidente do Núcleo de Estudos de Doenças Auto-Imunes (NEDAI) da SPMI. Acrescentando que “o tratamento do LES deve ser individualizado, tendo em consideração a gravidade da doença, os órgãos afetados e as necessidades específicas de cada doente. O tratamento das comorbidades associadas, como hipertensão, dislipidemia é crucial para melhorar a qualidade de vida e reduzir o risco de complicações”. Para Rita Mendes, Presidente da Associação de Doentes com Lúpus, “os principais desafios prendem-se com a gestão da vida familiar e da vida laboral. A fadiga e a dor são uma grande limitação na execução tanto de tarefas domésticas, como profissionais”, explica. A doença ocorre predominantemente em mulheres (9 em cada 10 casos) e o início da doença ocorre, geralmente, entre os 15 e os 44 anos, coincidindo com a idade fértil e o início da vida ativa. Esta prevalência tem “um impacto significativo nesta faixa etária”, aponta o Presidente da SPR, destacando as consequências “físicas, emocionais e psicológicas e ainda reprodutivas, uma vez que a atividade da doença pode ser exacerbada durante a gravidez, aumentando o risco de surtos que podem comprometer ainda mais a saúde materna e fetal”. O diagnóstico é clínico, baseado na avaliação dos sintomas, histórico do doente e resultados de exames, o que pode ser complexo e demorado. Embora o LES não tenha cura, é uma doença que pode ser gerida através de uma combinação de autocuidado, cuidados médicos e apoio à saúde. A gestão eficaz do LES passa também por um estilo de vida saudável, que engloba fotoproteção, exercício regular, nutrição adequada e atenção à saúde mental. A par da complexidade e atrasos associados ao diagnóstico da doença, também é necessário considerar o impacto financeiro significativo para os doentes, cuidadores e sistemas de saúde. “O impacto económico do LES é significativo, tanto para os indivíduos quanto para a sociedade”, reitera Fernando Pimentel, Presidente da SPR, explicando que “o tratamento do LES pode envolver consultas regulares com diferentes especialistas (reumatologistas, nefrologistas, dermatologistas) e exames laboratoriais frequentes. Além disso, os episódios de atividade da doença podem levar a hospitalizações, aumentando ainda mais os custos médicos”. A par dos custos diretos, também é fundamental considerar o impacto sobre o sistema de saúde público, uma vez que “o tratamento contínuo de doenças crónica como o LES exige uma alocação significativa de recursos dentro do sistema de saúde”, refere o especialista. Apesar das dificuldades e desafios associados ao diagnóstico e tratamento da doença, nos últimos anos têm-se verificado avanços científicos e terapêuticos que vieram alterar o paradigma da gestão do LES. No campo do diagnóstico destaca-se “o uso de biomarcadores específicos, como os autoanticorpos, que, combinados com novas tecnologias de imagem, como a ressonância magnética e a tomografia por emissão de pósitrons (PET), permitem uma deteção mais precoce e precisa da doença”, refere o Presidente do NEDAI. Já no campo terapêutico, “o papel das novas terapêuticas imunomoduladoras, oferecem um controlo mais adequado da atividade imunológica e permitem a redução dos danos teciduais”. No entanto, explica que “as respostas variáveis que possuem exigem uma necessidade de personalização do tratamento”. Atualmente, também estão a ser exploradas “perspetivas futuras para o controlo do LES, que incluem o uso de inteligência artificial para antecipar potenciais agudizações e para o desenvolvimento de novas terapêuticas biológicas”, salienta Carlos Carneiro. Na perspetiva da Associação de Doentes, Rita Mendes destaca que “os recentes avanços no tratamento e gestão do LES deixam com grande esperança para o futuro, pois, na grande maioria dos casos, os doentes atingem a remissão com menor dano secundário”. Em Portugal, um rastreio realizado entre 2011 e 2013, estimou que cerca de 10 mil pessoas viviam com LES. Nas últimas décadas, em Portugal e no mundo, é clara a tendência de aumento da prevalência da doença, fruto de um maior, apesar de limitado, reconhecimento da doença. Estima-se que cerca de 400 mil pessoas sejam diagnosticadas com LES todos os anos. Carlos Carneiro reforça que “ainda não existe uma causa estabelecida para o aparecimento do LES”, no entanto, é importante olhar para a doença sob “uma abordagem multidisciplinar em que a dieta, o exercício, a gestão emocional e a terapêutica personalizada possam ser alicerces na gestão da doença”. Já para Rita Mendes é necessário continuar a apostar na “multidisciplinariedade do acompanhamento médico” e trabalhar para reorganizar “a marcação de consultas, exames, evitando várias deslocações ao hospital”. A consciencialização e literacia sobre esta doença são fundamentais para garantir um diagnóstico e tratamento atempados. Além disso, o apoio multidisciplinar e o envolvimento do doente na gestão da sua condição são cruciais para melhorar a qualidade de vida e reduzir o impacto da doença.