Vilaverdense Isabel Machado cria teste para detetar Covid-19 através da saliva
Isabel Machado é a diretora de projetos da empresa ‘SOMAprobes’ sediada em San Sebastián no País Basco e criou um teste que promete ‘revolucionar’ a forma como se deteta a Covid-19. O teste deverá estar no mercado até ao final do ano.
Natural de Vila Verde, está na região espanhola há 10 anos depois de uma licenciatura em Engenharia Biológica e de um estágio no âmbito do Erasmus que lhe abriu as portas do ‘Mundo’.
A equipa liderada pela vilaverdense está a desenvolver um método através da saliva que promete resultados ao fim de 40 minutos. Segundo explica Isabel Machado, “os negativos não precisam de fazer o teste convencional”, o chamado PCR, diminuindo assim a quantidade de testes efetuados e o desconforto que podem causar.
Numa conversa com o ‘Terras do Homem’, na terra em que a viu nascer e onde não vinha desde o Natal, a investigadora explicou, com mais calma, todo o trabalho que está a desenvolver no país vizinho.
“As minhas responsabilidades são ao nível de laboratório onde sou a responsável de projetos, e também oriento as novas incorporações na empresa e os estudantes que vêm fazer trabalhos práticos”.
A actividade da ‘SOMAprobes’ baseia-se na investigação para diagnóstico clínico de doenças infeciosas. “Nós focamo-nos naquelas bactérias que são mais comuns. Falamos com hospitais para saber qual a incidência maior de batérias nas infecções detetadas e partimos daí para a nossa investigação”.
Foi este trabalho que deu as bases para criar o teste que deteta o coronavírus através da saliva como explica: “nós trabalhamos com sondas curtas de DNA e/ou RNA que têm um sistema de fluorescência nas extremidades, isto é, numa ponta temos uma molécula que emite florescência e no outro extremo uma outra que a absorve. Se a cadeia de DNA/RNA está completa a florescência que se deteta é mínima, é residual.
Quando a bactéria, ou vírus neste caso, está presente produz umas enzimas especificas que vão degradar essas cadeias de DNA ou RNA e é isso que nós procuramos através dessas sondas específicas. Ora quando essas enzimas, consideradas biomarcadores, estão presentes cortam essa sonda específica e dessa forma a molécula florescente separa-se da outra que absorve e assim se pode detetar esse sinal, interpretado como um resultado positivo”.
Produto para o mercado
Este trabalho mais científico levou à criação de um produto que pudesse ser comercializado, um teste muito parecido com um teste de gravidez: “em vez da florescência que é um método caro e não muito acessível, adaptamos uma tira de papel, tipo teste de gravidez. A reação é a mesma, mas em vez de ter essas moléculas dependentes da fluorescência, tem outras que se unem por reações favoráveis e, que no fundo, vemos depois nessa tirinha de papel por colorimetria”.
Isto é, “o fluxo vai pela tira e se a molécula não se cortou fica ali parada e vemos uma banda de cor, se se cortou não vemos nada. Na realidade, o resultado é ao contrário do teste de gravidez, mas igualmente fácil de interpretar”.
Saliva
Uma das evidências que se conhece deste vírus é que ataca as vias respiratórias altas e desce até aos pulmões. No teste desenvolvido pela equipa de Isabel Machado, “só queremos uma amostra de saliva porque se o vírus está presente vai produzir essas enzimas que nós procuramos e que estão presentes na nossa saliva”.
Para a vilaverdense, “a nossa vantagem é que podemos detetar o vírus mal ele se instala nas vias respiratórias altas e ainda antes de qualquer sintoma. Nós não precisamos que o vírus se desenvolva tanto para o detetar como o atual teste de PCR”.
O procedimento é simples: “temos um tubo com rosca e para facilitar temos uma espécie de funil que encaixa na boca e para onde se cospe. Deita-se o funil fora, enrosca-se o tubo e está feito. Para além de facilitar a recolha, facilita também o trabalho no laboratório para não ter tantos riscos na exposição com a amostra.”.
A fase seguinte passa por montar um kit para venda que chega a qualquer pessoa e ela possa fazer um auto-teste.
Deteta vírus antes de sintomas
Outra das virtualidades deste teste passa pela sua capacidade de detetar pré-sintomáticos desde dois a três dias antes do primeiro dia de sintomas e até cinco dias no máximo do primeiro dia de sintomas. Recorde-se que o atual PCR não consegue detetar o vírus nos primieros dias da infecção, dando origem a falsos negativos.
Os resultados são imediatos e segundo Isabel Machado “um teste para uma hora” é o slogan adotado. “Se recebermos 50 amostras de uma vez, numa tarde temos os resultados. Durante as férias, por exemplo, num dos dias recebemos 42 amostras e só tínhamos uma pessoa a trabalhar e ao final do dia já havia resultados. Nós dizemos que é um teste para uma hora”.
Voluntários
O País Basco tem um sistema de saúde próprio.
“O que nós fizemos foi contatar com o sistema de saúde basco porque precisávamos de fazer estudos com amostras clínicas de pacientes reais”, começa por explicar os procedimentos que levaram à escolha de voluntários.
Em termos de investigação eles colaboram com os três institutos que têm nas três províncias bascas. “Nós começamos a trabalhar com os três, mas era um bocadinho caótico e agora focamo-nos só num que é o de Biscaia, o Instituto Biocruces. São eles que nos estão a ajudar na recolha de amostras nos hospitais, centro de saúde e nos surtos que vão surgindo”, acrescenta Isabel.
Quando o hospital contata com o doente eles vão lá fazer a PCR, quando chegam é-lhes proposto se querem participar num estudo paralelo e as pessoas aceitam ou não.
Resultados
Os resultados são bastante animadores, mais rápidos e podem tirar muita gente dos hospitais e centros de rastreio Covid.
“Até agora conseguimos detetar todos negativos que a PCR detetou, no entanto, temos mais ou diferentes positivos que a técnica standard, mas isso pode ter a ver com aquilo que já expliquei de podermos detetar a doença em diferentes fases da infecção”. Por isso, Isabel diz que “se com o nosso teste mantemos essa correspondência de negativos de 100%, já não era necessário fazer-se a PCR a toda a gente, deixando para o sistema de saúde apenas os suspeitos ou positivos”.
O teste poderá ser feito em aeroportos ou em grandes empresas e seria “um bom teste contínuo e sem precisar de pessoas muito qualificadas para a sua realização. Seria um teste muito mais barato e por isso, poderia ser mais acessível e universal”.
Já foram testadas centenas de amostras e os resultados são evidentes. Agora para chegar ao mercado e facilitar a vida de muita gente “é mais uma questão política. A decisão não é nossa”.
“Sempre se pensou que haveria uma segunda fase, mas a verdade é que houve sempre casos positivos e isso está a jogar a nosso favor. A ideia era ter o produto no mercado no final do ano, início de 2021, mas a este ritmo até pode estar disponível mais cedo”.
Perfil
Isabel Machado é natural de Vila Verde onde fez todo o percurso académico normal. Entrou em Engenharia Biológica na UMinho e apanhou a transição para o processo de Bolonha. Decidiu fazer a parte prática final do curso (Mestrado Integrado) num laboratório em Tarragona, com o programa Erasmus.
Depois de um regresso a Vila Verde e a um trabalho na Misericórdia onde “não estava a fazer algo para o qual tinha estudado”, Isabel faz as malas rumo a San Sebastián, País Basco, onde decide ir fazer o doutoramento com uma investigação ligada ao estudo do comportamento do DNA em ambientes distintos ao ambiente aquoso comum onde se encontra e desenvolve as suas funções.
O atual chefe, diretor da empresa SOMAprobes, com o qual se cruzou no grupo de investigação onde realizava o doutoramento, andava à procura de pessoas para criar a ‘SOMAprobes’ e Isabel aceitou o desafio: “reconheço a importância da ciência básica, mas sempre quis trabalhar em algo mais prático, que pudesse ajudar e ser útil para a sociedade civil”.
Primeiro foi contratada a meio tempo.
Hoje é a responsável pelos projetos da empresa e a tutora de estudantes e pessoal que se incorpora na empresa. A pandemia aumentou-lhe as saudades de Vila Verde, onde tem a família e onde gosta de vir recuperar energias.