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“O reconhecimento do presidente da junta é zero” – Carlos Pedro, presidente da junta da Lage

A entrevista, a poucos meses de terminar 12 anos de mandato, ao presidente da junta da Lage é desassombrada, com Carlos Pedro a dizer o que lhe vai na alma. Satisfeito com o trabalho que deixa, reconhece que “ficou muito por fazer” e pede “mais justiça” na distribuição de verbas pelas freguesias.

Ainda se lembra do convite há 12 anos para ser candidato à junta de freguesia?
Lembro-me perfeitamente. O convite foi no dia 25 de abril de 2009, no peddy paper que todos os anos os Jovens da Lage organizam, e nesse peddy paper fizemos uma homenagem a um antigo membro da junta, o José Caridade, que era tesoureiro da junta e secretário da confraria de Santa Helena da qual eu era o juiz. Nessa altura, o presidente da câmara de então, José Manuel Fernandes, no discurso depois de se descerrar uma pedra de homenagem, disse que estava ali a convite do juiz da confraria, Carlos Pedro e que teria um desafio porque estava a contar comigo para integrar a junta de freguesia. Não tínhamos nada combinado e depois, num jantar, disse-me que precisava de mim para encabeçar a lista do PSD porque estava difícil o partindo manter o poder na freguesia.

Passou-lhe, nessa altura, pela cabeça que poderia ser candidato à junta?
Eu já tinha sido candidato independente duas vezes, apesar de ser militante do PSD desde os 17 anos. Numa vez encabecei a lista, na outra fiz parte, não porque tivesse a ambição de ser presidente da junta, mas porque estava em desacordo com algum do trabalho que estava a ser feito na Lage ao nível partidário. As listas para a junta do PSD tinham sido feitas em função de pessoas e não de elementos ligados ao partido e eu não achava isso bem, nunca se dava valor às pessoas do partido nem era ouvidas.

Mas julgo que houve um problema com terrenos que o levou, também, a ser independente
Eu pus em questão a utilização de dinheiro públicos na construção de um loteamento sem que a população da Lage tivesse tido acesso para construir lá. Um membro da junta vendeu 16 lotes a um empreiteiro de Braga num loteamento feito com benefícios da autarquia. Demiti-me da assembleia porque não concordei, fiz uma proposta que não foi levada em consideração, e já que tinham feito especulação imobiliária com terrenos que seriam para as pessoas da freguesia construir a preços mais baixos, deveriam usar esse dinheiro na aquisição de outro terreno para corrigirem a asneira que tinham feito.

Nessa primeira eleição, em 2009, como correram as coisas?
Foi uma eleição muito complicada. Em 2005, o PSD ganhou por sete votos contra mais três listas (PS, Independentes e CDS), houve mais a do PCP, mas que não teve impacto; em 2009, só houve três listas: a do PSD que eu encabecei, a dos Independentes e a da CDU, ou seja, as listas do PS, independentes e CDS de 2005 congregaram-se todas numa única lista em 2009. Fazendo as contas, essas três listas teriam mais 200 e tal votos que o PSD, isto é, estatisticamente teríamos a eleição perdida. No final das contas, nós é que ganhamos por 200 e tal votos.

E deveu-se a quê, na altura?
Tem muito a ver com a inteligência das pessoas da Lage. Por mais incultas que sejam não são nem burras nem estúpidas. E entre as duas listas, uma com mais pessoas ligadas à Lage e outra afetiva e efetivamente com elementos mais distantes, as pessoas preferiam votar na lista que lhe dava mais garantias. Também, é verdade, que o facto de não ter havido uma lista efetiva do PS, fez com muitos socialistas votassem em nós porque não se reviam na lista independente.

Nas duas eleições seguintes ganhou mais confortavelmente…
Em 2009 perdemos alguns votos na seção dos mais novos. Na altura, era por idades e na seção de voto dos mais velhos, dos residentes mais antigos, tivemos 80% e tal dos votos e perdemos votos na seção dos novos residentes porque havia uma certa adversidade contra o PSD em geral, não contra o Carlos Pedro, era a altura do Sócrates com os aumentos da função pública que depois o mesmo Sócrates retirou. Em 2017 em relação a 2013 perdemos percentagem de votos e por sete votos não elegemos mais um membro para a Assembleia e há uma explicação: apesar de termos feitos alguns trabalhos havia muitos pendentes. Recorde-se que entre 2010 e 2013 tivemos as contas penhoradas e só com a saída da Troika é que as coisas começaram a melhorar. Portanto, só começamos a recuperar o tempo perdido em 2017, 2018 e isso penalizou-nos um bocado na eleição de 2017 porque as pessoas olham para o que fazemos e não fazemos. As juntas de freguesia têm um orçamento muito reduzido em relação àquilo que fazem.

O balanço dos 12 anos é positivo
Sim. Apesar de eu achar que o grande problema da Lage é o investimento público ser diminuto perante o investimento privado. Se nós temos a freguesia coberta com mais de 50% de saneamento não é graças à camara de Vila Verde, é graças aos construtores que além de fazerem as estruturas, arruamento e melhorarem a rede viária, ainda pagam. Para mim, é revoltante que as empresas de construção paguem para construírem naquilo que seriam zonas verdes porque a lei o permite. Eu acho que as juntas de freguesia deviam ser ouvidas antes da câmara tomar a decisão, mesmo não tendo nada a ver com isso. É um princípio de seriedade, de ouvir os agentes locais e já que cobram esse dinheiro deveria ser investido na freguesia e não numa outra qualquer.

Houve alguma obra que gostasse de ter feito nestes 12 anos, mas por qualquer motivo não conseguiu?
Montes delas! Nós vamos fazendo as coisas conforme as prioridades. Em 2009 quando assumimos o nosso grupo de trabalho, mesmo com as nossas desavenças, sempre nos entendemos mais ou menos bem. Este grupo de trabalho é muito mais exigente connosco que, muitas das vezes, os nossos adversários. Eles são os nossos verdadeiros opositores porque dizem que se nos comprometemos a fazer uma obra temos que a fazer. Se virmos em termos de competências da junta fizemos muito mais do que deveríamos fazer, até porque o presidente da junta só manda numa coisa: cemitério. O resto não é nada connosco.

O orçamento da junta é de 80 mil euros é suficiente?
80 mil euros anuais não chegam para nada e as pessoas não entendem isso. Do FEF não chega a 50 mil e 30 e tal mil euros da câmara. Tem vindo a aumentar, agora está próximo dos 90 mil, mas continua a não chegar para nada, mesmo fazendo uma boa gestão. Cerca de 60/70% desse dinheiro é para despesas correntes, incluindo o subsídio para os elementos da junta que são 800 mês, dá cerca de dez mil euros, depois temos luz, água, manutenção do cemitério mais 10 mil euros. Depois temos que fazer manutenção de espaços verdes, temos uma carrinha com todos os custos associados, por exemplo, só de gasóleo são 200 euros por mês, mais seguros e vistorias e o salário do homem que trabalho, só de custos fixos 15 mil euros ano. Temos 1/3 do dinheiro gasto sem ter feito quase nada.

Então como tem feito obra?
Temos feito obra com dinheiro junto por nós. Até 2013, as autarquias podiam financiar-se com ganhos futuros, depois da Troika isso deixou de ser possível e bem. E com esta ideia, a freguesia da Lage estava hipotecada. Quando chegamos tínhamos 80 mil euros para pagar e 14 mil nas contas, portanto, já estávamos hipotecados à partida.

Como assim?
Tínhamos um protocolo com a câmara para a realização de uma obra, mas não tínhamos o dinheiro, com a Troika a torneira fechou, a empresa entrou em insolvência e quem era a dona da obra? A junta de freguesia e caíram em cima de nós. Com a vinda da Troika isto acabou e bem e agora é preciso cativar o dinheiro, tirando as despesas correntes e assim a junta da Lage conseguiu fazer obra e, até, se substituiu à autarquia.

Tem obras de que se orgulha?
Havia cinco obras na Lage que não tinham avançado em 2009. A Escola do Penedo que estava a cair e agora é a sede da D’arte; a escola nova prometida há mais de 40 anos; a casa mortuária; a avenida da Igreja e a conclusão da sede da junta que não tinha condições para atender as pessoas. Obras que fizemos com o apoio da Câmara porque de outra forma não as poderíamos fazer, mas precisávamos sempre de liquidez. Graças à nossa capacidade de gestão, a Lage tem quatro parques infantis feitos, dois parques fitness, um mini ringue, um campo em saibro compactado e, finalmente, em 2020 conseguimos que a câmara comprasse um terreno, em parte para compensar o investimento que não foi feito na Lage, onde estamos a construir o complexo de lazer da Lage, um projeto nosso.
Há coisas de me orgulho ter negociado: o alargamento da estrada municipal, o alargamento da estrada municipal que vai para Oleiros que tem muito trânsito e que nós conseguimos negociar com os proprietários, um alargamento de 1,5m para que as pessoas puderem andar em segurança.

O Carlos Pedro tem, mais ou menos, o mesmo tempo de mandato do presidente da Câmara. Como foi o relacionamento com a autarquia e com o presidente Vilela?
O relacionamento pessoal entre o Carlos Pedro e o António Vilela é ótimo. O relacionamento institucional é péssimo. Nunca lhe digo, sem ser nos olhos, o que penso e o que acho que deve fazer, não o faço através das redes sociais. Quando digo que Lage não está a ser tida em conta em termos concelhios é porque é verdade. Se fizermos os cálculos do investimento per capita, nestes doze anos, feito na Lage, em Vila Verde, em Prado, vemos quem é que ganha e quem é que perde.

Há dinheiros para despoluir as bacias do Cávado e do Homem, muito bem, mas e a Ribeira de Febros que está a poluir o rio Cávado essa já não se despolui? Se não houver saneamento, vai tudo para a Ribeira de Febros.

Como será o futuro político do Carlos Pedro?
A lei foi feita para que o cabeça de lista não fosse o mesmo ao fim de três mandatos seguidos, mas pode ir em segundo ou terceiro da lista no final desse tempo e se quem assume é o candidato mais votado. Ora eu poderia ir em segundo lugar, o presidente demitia-se e eu assumia o cargo, não faz sentido nenhum. Primeiro, dever-se-ia proibir todos os membros da junta de serem candidatos e eleitos, depois, nós temos cerca de 2600 eleitores e somos uma freguesia grande, mas imagine-se uma freguesia com 300 eleitores, ele vai para segundo, é ele que vai mandar, não faz sentido.
O reconhecimento do presidente da junta é zero, enquanto uma obra não está feita estão sempre em cima, quando está pensam noutra que não está. Sabe quem reconhece o nosso trabalho? As pessoas de fora da Lage, as que vêm de férias, as que estão lá todos os dias não vêm evolução. Portanto, não temos reconhecimento quando exercemos nem temos reconhecimento depois de exercer. E isso é mau! Dedicamo-nos à freguesia e está sempre tudo mal. Reduziram ao número de freguesias, mas não acabaram com um concelho, com o número de deputados e as juntas representam 1% do orçamento de estado, menos do que a cultura. Temos que andar de mão estendida na câmara municipal quando a Lage dá 300 mil euros de IMI todos os anos, nós recebemos três mil euros. Não queremos o retorno efetivo, queremos um retorno mais justo.

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