Juiz que se destacou em Vila Verde é o novo Presidente da Relação do Porto
O juiz-desembargador Igreja Matos, que se destacou pelo seu trabalho enquanto titular da Comarca de Vila Verde, foi agora eleito pelos seus pares como presidente do Tribunal da Relação do Porto, poucas semanas após a sua escolha, por unanimidade, para a liderança da União Internacional de Magistrados, a maior organização mundial na defesa dos juízes.
José Igreja Matos, na sua intervenção inicial, destacou a maior celeridade no mais antigo Tribunal de Relação português, o do Porto: “orgulhamo-nos de exibir um tempo médio de resolução de processos que se perfila claramente como um dos melhores entre os nossos congéneres europeus, pois em 2020, o prazo de decisão foi de 83 dias na média das três jurisdições, cível, criminal e laboral, o que compara positivamente com os 92 dias alcançados em 2015, além de proficiência quantitativa, o número de visitas à nossa base de dados jurisprudencial constitui forte evidência do trabalho qualitativo aqui produzido”.
“Somos céleres e trabalhamos com qualidade – sabe bem partilhá-lo convosco, o mérito é de todos, mas permitam-me uma palavra particular dirigida aos senhores funcionários judiciais, daí a cerimónia de homenagem ao funcionário judicial, neste Palácio da Justiça do Porto, ato simbólico, mas revelador, de reconhecimento do papel essencial por estes efetuado”, acrescentou o juiz-desembargador Igreja Matos, na sua primeira intervenção.
Solidariedade com colegas afegãs
O juiz-desembargador José Manuel Martins Igreja Matos assumiu “no plano nacional, mas também no âmbito internacional, particularmente na União Europeia e nos países da lusofonia, compromisso perene com o Estado de Direito, na defesa e garantia dos Direitos Humanos em linha com a Agenda 2030 das Nações Unidas”, construindo instituições eficazes, responsáveis e inclusivas, próximas das questões de género”, apontando o “terrível exemplo recente das colegas afegãs, da diversidade, da não discriminação, com um olhar solidário, relativamente aos membros mais frágeis da nossa sociedade”, referiu.
“Presenciamos, para além do exemplo penoso e angustiadamente extremo do judiciário turco, como, mesmo no seio da União Europeia, autoridades governamentais de países como a Polónia ou a Hungria, desrespeitam as normas essenciais dos tratados europeus, perseguindo juízes que, corajosamente, afirmam o seu apego àquilo que geneticamente nos define: a independência, fator primordial da nossa imparcialidade”, segundo afirmou.
“Num mundo globalizado, em que a soberania estatal se dilui, os tribunais superiores devem ser geridos a uma escala maior, recentes decisões do Tribunal Europeu de Justiça, obstando à deriva totalitária do governo polaco, densificando o modo como a organização judicial deve ser construída nos Estados Membros da União Europeia, exige, de todos, um olhar que transcenda fronteiras, cabe-nos a nós construir uma justiça no mundo que salvaguarde, em cada região, em cada país, os valores fundamentais do Estado de Direito”, referiu o novo presidente do Tribunal da Relação do Porto, que reside em Braga.
Uma carreira brilhante
José Manuel Martins Igreja Matos, de 56 anos, licenciado em Direito, pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, é ainda mestre em Direito Judiciário, pela Escola de Direito da Universidade do Minho, sendo juiz de Direito, desde 1990, exercendo funções já como juiz desembargador, no Tribunal da Relação do Porto, desde setembro de 2012.
Preside à União Internacional de Magistrados, a organização mundial constituída pelas mais representativas associações nacionais de juízes de 94 países de todos os continentes, sendo igualmente o membro português do Conselho Consultivo dos Juízes Europeus e do Conselho Consultivo da Rede Global de Integridade Judicial das Nações Unidas, além de ter dirigido a Revista Julgar, da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, sendo autor de diversos livros e artigos jurídicos, especialmente nas áreas do Direito Processual Civil, Organização e Gestão de Tribunais, Ética e Integridade Judicial e dos Direitos Humanos.
O juiz-desembargador Igreja Matos, na judicatura desde 19 de setembro de 1989, iniciou a carreira na Comarca de Vinhais, passando sucessivamente por Esposende, Vila Verde, Barcelos e Braga, ascendendo ao Tribunal da Relação do Porto, a 12 de setembro de 2012.
Igreja Matos alerta para “os ataques à magistratura”
O novo presidente da Relação do Porto, juiz-desembargador José Igreja Matos, chama a atenção para novas realidades como são, entre outros perigos, “os ataques à magistratura”.
“Impelidos pela politização da justiça, pela pressão demagógica das redes sociais, pelo drama da corrupção e da ausência de integridade na vida pública, assistimos a ataques cruzados às instituições do judiciário”, refere o magistrado, salientando ainda a propósito que “a espuma dos dias encontra novas formas de empolar o que corre mal através de repetidos casos avulsos, com um frenesim destemperado, multiplicam-se os ataques à magistratura a coberto do recorrente princípio da desconfiança em relação aos tribunais”.
“No mundo de hoje, o escrutínio dos factos, a racionalidade argumentativa revela-se desinteressante se comparada com o que Mário Vargas Llosa denomina da civilização do espetáculo, que procura o ruído e se entrega à superficialidade”, afirma José Igreja Matos.
“O poder judicial deve ser transparente e íntegro num esforço permanente que nos cumpre aprofundar, mas numa sociedade tolerante, a autoridade democrática dos tribunais tem que ser salvaguardada; a alternativa ao contraditório próprio do ambiente jurisdicional, assente numa cultura de legalidade, é conhecida: a afirmação, pela força, da lei do mais forte”, explica o mesmo juiz-desembargador, não deixando de alicerçar mais a sua ideia:
“entre fortes e fracos, entre ricos e pobres, entre senhor e servo é a liberdade que oprime e a lei que liberta – era já esta a máxima proferida nos idos de 1848 por Henri Lacordaire”.
“O nosso único compromisso é de serviço à causa pública, cultivamos a discrição, a contenção, a palavra prudente; sabemos bem que o peru é o único a quem fica bem o pecado da arrogância, revemo-nos naqueles que, com equilíbrio e bom-senso, no silêncio dos justos, procuram, nas imortais palavras de Jorge Luís Borges, justificar um erro que lhe foi cometido, preferir que outros tenham razão – porque afinal são esses que sem o saberem estão a salvar o mundo”, igualmente de acordo com a perspetiva de Igreja Matos.
Mas diz que “porém, não peçam aos juízes que sejam pitorescos figurantes em concursos de popularidade, a nossa tarefa é solitária e, por vezes, caminha em sentido contrário aos fulminantes veredictos dos que recusam a complexidade e tudo julgam, à distância de um clique, numa lógica binária, empobrecedora”, uma vez que “como proclamava Marco Túlio Cícero, justiça extrema é, afinal, tão-somente, injustiça”, por isso “com humildade, serenos, faremos sempre o nosso trabalho, com a integridade e independência, nunca abdicaremos dos nossos valores fundamentais”, segundo o desembargador Igreja Matos.