Projeto pioneiro e inovador na Escola de Prado ensina português a migrantes
Cerca de 30 alunos frequentam a disciplina de ’Português Língua Não Materna’ no Agrupamento de Escolas de Prado, tendo sido criada uma turma para o efeito na E. B.2/3. Um projeto pioneiro, inovador e integrador, dirigido para pessoas que têm que aprender português, não sendo essa a sua língua materna.
Com dois anos, no terreno, o projeto está a ser um sucesso: “é uma resposta que o Agrupamento dá a todos aqueles que chegam à área de influência do Agrupamento vindos das mais variadas zonas do mundo”.
Dina Bicas foi a primeira professora da disciplina de ‘Português Língua Não Materna’ na turma então criada, é a atual coordenadora da disciplina e leciona o curso de ‘Português Língua de Acolhimento’, dirigida para adultos e, entretanto, criada no Agrupamento fruto de uma candidatura a fundos comunitários.
“Há um estatuto especial dentro da escola para estes jovens, no sentido em que todo o processo pedagógico e didático é adaptado; os critérios de avaliação são diferentes, os apoios são diferentes, normalmente individualizados, e tem sido muito gratificante este trabalho até porque o senhor diretor é um gestor de espírito aberto e empreendedor, e de perfil ideal para encabeçar a gestão de uma escola que se quer inovadora e responsiva aos desafios que se lhe colocam”.
Para a professora, esta questão dos refugiados “é inegável e será, cada vez mais, uma realidade. Nós Agrupamento, já estamos dentro do processo, com caminho feito e com muito sucesso, como prova o reconhecimento, na prática, que temos tido”.
Dina Bicas, à reportagem do ‘Terras do Homem’, começa por explicar que “o ensino que fazemos e a aprendizagem que proporcionamos no nosso Agrupamento destinam-se a dois grupos distintos de pessoas, aos adultos, em pós-laboral e aos alunos em escolaridade obrigatória desde as crianças do 1 e 2º ciclos até aos jovens no 3º ciclo que acolhemos, de alguns anos a esta parte, para quem o português não é a língua materna porque nasceram ou viveram durante anos num país estrangeiro. Há jovens vindos da Alemanha, França, Suíça, Venezuela, Espanha e mais tarde, do Egito, Congo, Mali entre outros países”.
Com o apoio dado pela direção do agrupamento, “sempre tivemos abertura para a integração desses jovens no nosso sistema educativo e a certeza de que o multilinguismo e o multiculturalismo enriquecem a nossa escola. Como somos uma escola TEIP, temos também um gabinete de apoio à família e um serviço de Psicologia e Orientação que têm abertura para apoiar em parceria esses alunos que chegam a um país diferente, com uma cultura e língua diferentes”.
12 menores não acompanhados
Num Agrupamento de Escolas que tem como lema, inovação, inclusão e a mudança, “na pessoa do seu diretor e das estruturas intermédias de intervenção pedagógica”, foi sempre uma escola de grande abertura e por isso, integrou um grupo de 12 jovens MENA (Menores Não Acompanhados), vulgarmente chamados jovens refugiados que passaram a residir na casa de acolhimento sob a supervisão da Cruz Vermelha de Prado e “com quem fomos coordenando o processo de integração, do acolhimento e da formação”.
Naturalmente, “isso trouxe uma necessidade de haver um reforço enorme na componente letiva do português, tendo sido eu, na altura, a docente indicada para o fazer. Desempenhava, entretanto, o cargo de coordenadora da disciplina Português Língua Não Materna e assumi, com muito prazer e entusiasmo esse projeto”.
O projeto arrancou em novembro de 2020 até finais de julho de 2021, ininterruptamente, férias incluídas, porque o estatuto de migrante refugiado preconiza a aprendizagem sistemática do Português. “O horário foi-se adaptando às necessidades dos alunos, quer por questões culturais/religiosas, quer porque iniciaram posteriormente um trabalho numa empresa de Braga”.
Média de idades de 16 anos
A média de idades dos 12 jovens era de 16 anos, havia um que tinha 18 vindo de Angola, outro do Congo fez 18 anos quando chegou cá e alguns com 16. Vieram dos campos de refugiados na Grécia, eram sírios, egípcios, do Bangladesh, do Mali, da Serra Leoa, conheciam-se vagamente de lá, mas só constituíram uma equipa quando chegaram aqui. Todos rapazes.
“Foi criada uma turma própria, que designamos de 9º M, e eles tinham disciplinas como ‘Corpo e Voz’, Inglês, Tecnologias, Artes, Educação Física. Era um curriculum um bocadinho diferente do nacional, com o objetivo de uma formação integral, onde a base principal era o português enquanto veículo de comunicação e escolarização, porque sabendo português conseguem adquirir outros saberes, sem o domínio da Língua, não conseguem”, explica, ainda, Dina Bicas.
Professora com vocação
Como em tudo na vida, é preciso ter algum perfil para tudo o que fazemos e Dina Bicas não tem receio em dizer que “sou uma pessoa vocacionada para este tipo de trabalho, onde os resultados são visíveis e gratificantes. No final do ano todos os alunos sabiam ler e escrever, compreender e produzir mensagens. Vinham com diferentes graus de escolarização, alguns tinham frequentado a escola até ao 10º e outros não tinham escolarização nenhuma”.
O trabalho não é fácil porque a professora começa pelo básico e adequa a cada aluno, em particular. “É como ter várias turmas dentro de uma turma só. É partir sempre com muita preparação, mas sem qualquer expetativa para cada aula porque tudo pode ser diferente”. Por isso, é fundamental “adequar permanentemente às necessidades dos alunos e fazer com que se sintam bem, felizes, acolhidos, que sintam que têm um chão, que têm alguém presente, que vai ensinar, ajudar. Tudo depende, também, da vontade deles”.
Programa específico
“Há um programa, um referencial que têm de ser trabalhados e adequados, o que está em causa é a compreensão oral, a expressão oral, a compreensão escrita e compreensão oral”. A abordagem dos conteúdos é diferente de acordo com a faixa etária do aluno. “Com primazia da avaliação formativa, os critérios de avaliação são contextualizados e os professores têm que ir ao encontro dessa diferença”.
Com um brilho nos olhos, a professora revela que “é um desafio permanente, muito estimulante. A experiência diz-nos, no entanto, que nem tudo são rosas, estes jovens MENA não tiveram na vida uma referência de alguém que lhe impusesse alguma coisa, foram sempre autónomos nas suas decisões, boas ou más. É muito difícil depois impor o que quer que seja, temos que ir pelo lado mais positivo, mais afável para se conseguir resultados e impor regras porque a escola, como a sociedade, tem regras que têm que ser cumpridas”.
O estatuto de refugiados confere-lhes a possibilidade de adquirirem o diploma do 9ª ano, é feita uma avaliação quantitativa expressa na pauta, mas de acordo com os tais critérios de avaliação específicos desta disciplina. A comunicação base é feita em inglês que quase todos eles aprendem um pouco na Grécia e através de mímicas, imagens, vídeo e muita ajuda da internet.
Teste de diagnóstico
Assim que os alunos provenientes de outro país chegam ao sistema educativo nacional é-lhes feito um teste de diagnóstico, obrigatório, proposto pelo Ministério, que pode ser adaptado entre o professor e o coordenador da disciplina, e que o vai colocar num determinado nível de proficiência oral e escrita dentro do quadro europeu de referência para as línguas.
E o aluno pode ser colocado em três níveis de proficiência: como utilizador elementar (A1 ou A2), como utilizador independente (B1 e B2) e como utilizador proficiente (C1 e C2) sendo que o mais baixo é o A e o mais alto o C. A partir do B, os alunos já seguem o currículo nacional.
“No final do ano letivo, estes jovens foram certificados com o nível A2 e no ano seguinte passaram para o B1, onde já acompanham o currículo nacional”. Continuam a ter o estatuto de aluno de ‘Português Língua Não Materna’, com a possibilidade de ser avaliados de forma diferente, com as necessárias adequações, mas é-lhe dada a mesma matéria que aos outros alunos.
Novo ano letivo, prática diferente
No início do ano letivo, chegaram mais dois jovens provenientes do Egito e, recentemente, chegaram mais cinco provenientes de outros países. São MENA.
“Até fevereiro, eu trabalhei com os dois jovens, com o mesmo programa para a integração destes alunos, sempre com base prática. Estes dois alunos foram integrados numa turma do 8º ano, estão a acompanhar a maior parte das disciplinas dentro da turma, foi um processo diferente até porque aprendemos algumas coisas com o primeiro ano”.
Dina Bicas acrescenta que um deles nunca tinha ido à escola, tem 17 anos, não sabia árabe nem conhecimento do que era uma letra. Agora, “já fala alguma coisa em português, compreende e escreve muito bem, mas não sabe o que escreve ainda. É um jovem que quer aprender”.
Os cinco que chegaram depois e mais estes dois integram a turma de ‘Português Língua Não Materna’ onde estão, também, outros jovens vindos de outros países, que estão no mesmo nível de proficiência e são todos avaliados nesta disciplina.
Todos os professores titulares do primeiro ciclo e os professores de português, quase todos, cujas turmas integram estes alunos fazem parte do projeto e das equipas multidisciplinares.
Disciplina de Português Língua de Acolhimento
Em fevereiro, a professora Dina deixou estes alunos, para os quais foi requisitada uma professora, para abraçar outro projeto chamado ‘Português Língua de Acolhimento’.
Os jovens que saíram no ano passado, certificados com A2, passaram para B1, três deles quiseram frequentar mais português na escola, “e como escola inovadora que somos, com tradição de acolhimento e atenta às necessidades sociais, apresentámos uma candidatura a um curso criado pela portaria 183/2020 de 5 de agosto que não foi aceite porque o número de formandos era insuficiente”.
Mas a esposa de um dos formandos do curso teve conhecimento da candidatura e propôs à escola para que voltasse a renovar a candidatura porque “havia na comunidade imigrantes com vontade de aprender o português, para terem uma mais-valia na integração no mundo do trabalho. A turma compôs-se, assim, com um moldavo, dois chineses, dois russos e uma ucraniana. Havia necessidade de um formador e eu fui contactada”.
Esta candidatura é financiada por fundos europeus, através do Portugal 2020, do Fundo Social Europeu, pelo Alto Comissariado para as Imigrações e coordenada pelo Ministério da Educação através da DGeste.
Como diz a portaria, os destinatários do curso são os adultos com idade igual ou superior aos 18 anos cuja língua materna não é a língua portuguesa e deverão ser portadores do título de residência ou então, apresentar outros documentos como o pedido de integração na comunidade.
“É um curso de certificação de nível A2, eles foram avaliados através de diagnóstico com o nível A1, há um referencial de aprendizagem, módulos de formação para ser lecionado e no final das 150 horas, em pós-laboral, obtêm o nível A2”. Com esta certificação podem obter um conjunto de regalias, nomeadamente, benefícios ao nível do emprego ou no processo de naturalização. Eles estão a meio do projeto com término, previsto, para final de junho.
Curso é para continuar
No próximo ano, se houver interessados devem dirigir-se durante os meses de maio/junho aos serviços administrativos do agrupamento de escolas ou ao órgão de gestão e manifestar a sua vontade de fazer o curso. “Se angariamos um número suficiente de candidatos poderemos fazer de novo a candidatura”, refere a professora.
Se estes adultos quiserem continuar há um novo curso de formação de 250 horas que a escola poderá oferecer, mas “eles têm que ter a certificação em A2 porque só assim conseguem ir para os níveis superiores”.
Os conteúdos são os mesmos que a disciplina de ‘Português Língua Não Materna’: “a abordagem dos conteúdos é que é diferente já que ensinar a um jovem não é a mesma coisa que promover a aprendizagem para um adulto, estes têm mais bagagem, são todos licenciados e há um com doutoramento”.