Amarense Sylvie Castro cria joia para traje dos Açores
Sylvie Castro é de Amares e uma artista de mão cheia abrangendo várias áreas artísticas. Recentemente um novo desafio surgiu na sua vida. Bolseira de Investigação de doutoramento na área científica Humanidades no Doutoramento em Literaturas e Culturas Insulares na Universidade dos Açores UAc faz parte do Centro de Investigação de Humanidades dos Açores – CHAM Açores. O projeto de investigação de doutoramento “Do traje tradicional à joalharia contemporânea” foi distinguido pela Bolsa de Investigação Científica do Fundo Regional da Ciência e Tecnologia (FRCT).
Fala-me um pouco deste teu projeto. Como tudo começou?
Se recuarmos 10 anos, diria que tudo começou em 2012 com a criação da minha própria marca, a SYO na qual crio e produzo, junto dos artesãos, joias inspiradas no património, cultura e tradição portuguesas. Passados 5 anos, em 2017, surge a necessidade de aprofundar conhecimentos na área do design e tradição, dando início a uma candidatura FCT para o Doutoramento em Design de Moda, orientada pela Professora Doutora Joana Cunha da Universidade do Minho, no âmbito da qual dou início à investigação para (re)criar o Traje Minhoto. Concorri à bolsa FCT e por 0,045 milésimos fiquei de fora. Como tal, não me matriculei no Doutoramento. Volto a tentar a bolsa FCT em 2018 e 2019, mas sem sucesso. Durante o ano 2018 escrevi um artigo científico, juntamente com a Professora Doutora Joana Cunha, para o CIMODE 2018, dando continuidade à investigação a título pessoal.
No ano 2020, colocada no Agrupamento de Escolas de Valdevez, em plena pandemia, tive conhecimento da existência de um Doutoramento em Literaturas e Culturas Insulares pela UAc Universidade dos Açores. Procurei informação e, após um extenso diálogo com a diretora de curso, Doutora Dominique Faria, percebi que podia dar continuidade àquele que tinha sido o sonho interrompido, pelo facto de não ter conseguido a bolsa da FCT. O traje tradicional volta a estar em estudo, após ter iniciado a investigação sobre o traje à Vianesa em 2017 e agora, em 2020, a oportunidade de investigar os trajes insulares ganha ainda mais sentido. Açores, Madeira e Córsega são as ilhas em estudo sob a orientação da Professora Doutora Leonor Sampaio Silva. De lá até aqui tem sido uma investigação profícua e altamente produtiva, tendo escrito um segundo artigo científico, juntamente com a minha orientadora de doutoramento, para o CIMODE 20/22.
Estou no último ano deste projeto e sem qualquer expetativa, concorri à bolsa FRCT. Fui selecionada e sou atualmente bolseira de investigação de doutoramento nos Açores para além de pertencer ao Centro de Investigação CHAM Açores.
Porquê os Açores?
Visitei os Açores (São Miguel) pela primeira vez em 2018 e fiquei impressionada com a beleza em estado puro. A Natureza tem no arquipélago uma forte presença e expressão visual. O potencial da ilha é tremendo a vários níveis. Se falarmos de inspiração, posso afirmar que é inesgotável. Penso que é uma região que passa ainda um pouco despercebida a muitos portugueses, mas a nível cultural, literário e até artístico atrevo-me a dizer que os Açores são uma referência a nível mundial. A localização geográfica, o facto de a ilha estar relativamente perto dos EUA gera grandes oportunidades para quem se quer internacionalizar. Desta forma, vejo na UAc e no CHAM Açores uma oportunidade para crescer no mundo académico/cientifico, criando pontes com outros continentes para poder mostrar o meu trabalho.
De que forma tudo tem influência do Minho e de Amares?
Nada acontece por acaso, tudo tem um sentido, uma ordem e um momento para acontecer. É preciso respeitar e saber esperar. Com isto quero dizer que chegou o momento de, com este trabalho de investigação, poder afirmar e fundamentar o meu trabalho pelas minhas raízes, vivências e oportunidades. Sempre foi um objetivo, mas ainda não tinha chegado o momento. Certamente que o crescimento e maturidade ainda não estavam apurados, acredito que agora é o momento. O meu Concelho viu-me crescer, cheguei de Paris com sete anos e foi aqui que estudei e sonhei vir um dia ser designer. Com ele aprendi a respeitar e valorizar os saberes locais/regionais. A grandiosidade das gentes está nos mais ínfimos detalhes, é precioso aprender a olhar, admirar e valorizar as pessoas que estão aqui, perto de nós. As criações artísticas que fui desenvolvendo ao longo dos anos para o Município de Amares (a joia laranja e os três azulejos inspirados no património local) fizeram-me ver para lá do Minho e de Portugal. Viver na região minhota é um privilégio sem fim, pois o que de melhor o país tem para oferecer sai daqui, nasce aqui! Poderia enumerar um sem fim de preciosidades minhotas, fico-me apenas pela tradição dos bordados, da ourivesaria portuguesa e pela riqueza do traje regional minhoto (fonte de inspiração para a minha criação de joias).
Como se vai desenvolver esse projeto?
Este projeto de investigação nos Açores deu início em 2020. Numa fase inicial, o trabalho foi desenvolvido à distância, uma vez que o país e o mundo “obrigou-nos” a ficar em casa por causa de uma pandemia. Aprendemos todos a viver de forma diferente e o melhor de tudo isto foi que o trabalho não parou, apesar das condicionantes à investigação. Muito graças às ferramentas digitais que possuímos, o mundo ficou à distância de um clique, aprendemos a trabalhar/comunicar através de uma “câmara”. No presente ano, decidi candidatar-me a um bolsa de investigação de doutoramento – FRCT para poder dedicar-me exclusivamente a este projeto e consegui.
A criação de uma joia é o objetivo final. Como é que isso se vai processar?
Sim, a criação fundamentada de uma coleção de joias insular será a cereja no topo do bolo. Curioso pensar que anos de trabalho e investigação têm como objetivo a criação de uma determinada forma/função em prata/ouro para valorizar, homenagear, adornar e perpetuar a mulher. O projeto de tese irá desenvolver-se no terreno açoriano, com investigação de campo e participação em alguns congressos nacionais e internacionais. A concretização da coleção de joias insular será desenvolvida com artesãos locais, daqui e da ilha, valorizando assim o saber e o potencial de cada região. Acredito que este será um processo desafiante, que irá transformar de uma forma profundamente marcante o processo de criação/execução. Não tenho dúvidas que já é o meu grande projeto de vida.
É possível depois replicar esse conceito, por exemplo, em Amares? De que forma?
Se podemos falar em criar uma joia com identidade para o traje folclórico amarense? Talvez, teríamos de estudar a pertinência, uma vez que as mulheres trajam já com a ourivesaria tradicional regional. Mas poderá ser interessante pensar este conceito, em outro público-alvo, por exemplo.