Farenheit 451
“O tempo adormeceu sobre o sol da tarde”. Num futuro nebuloso em que a leitura é proibida e os bombeiros, em vez de apagar fogos, têm a missão de os atear para queimar livros, um bombeiro lê esta frase, numa página incidentalmente aberta enquanto o livro que lha revela é atirado para a fogueira. Curioso, o até então fiel funcionário, cumpridor acrítico das suas obrigações, pega à socapa no livro, disfarça-o na sacola e leva-o para casa.
A seguir a este, outros livros são apressadamente escondidos pelo bombeiro, de seu nome Guy Montag, e lidos com voracidade crescente: em casa Guy não come, não dorme, descura a mulher, uma personagem alienada, cuja vida, como a de todos os cidadãos, é controlada pela televisão.
Depois de se tornar leitor, Guy começa a reparar em coisas que não via antes, e percebe que o mundo é mais do que o casulo apático em que ele e os seus amigos e colegas se movem. Aos poucos descobre que há pessoas que, como ele, lêem às escondidas: Clarisse, uma jovem de 17 anos, de pensamento livre e alegre, e Faber, um antigo professor de inglês que lamenta não se ter insurgido quando viu começar o movimento de aniquilação da literatura.
Um dia, insatisfeita e insegura, a mulher trai-o, denuncia-o ao comandante dos bombeiros, e Guy é levado numa missão que se revela ser a destruição dos seus próprios livros e a inevitável prisão. Ajudado pelos amigos, consegue fugir para uma floresta onde centenas de pessoas deambulam, lendo e memorizando livros, recitando livros inteiros em voz alta, os mais velhos transmitindo-os aos mais novos. Nessa floresta, cada pessoa é um livro, e nela a cultura rebelde gera aquilo que, contra todas as adversidades, é da sua natureza: floresce.
Farenheit 451 (Europa-América, 2011) é uma ficção de Ray Bradbury, que François Truffaut transformou num magnífico filme em 1966. É um livro pleno de humanidade, uma história de aventuras num futuro imaginado que talvez, vendo bem a realidade à nossa volta e as ameaças autocráticas à democracia, não seja tão impossível afinal. Continuemos então a ler, pois são as histórias, desde tempos ancestrais, que fazem de nós humanos, capazes de sobreviver à selva.
Manuela Barreto Nunes [Bibliotecária]