Sequenciação do cromossoma Y gigante de Silene latifolia desvenda a determinação do sexo das plantas
Um consórcio internacional, que inclui vários investigadores do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (BIOPOLIS-CIBIO) da Universidade do Porto, conseguiu sequenciar os cromossomas sexuais gigantes da planta Silene latifolia, conhecida como Assobios. Este trabalho, publicado recentemente na prestigiada revista Science, permitiu identificar genes candidatos envolvidos na determinação do sexo da planta e compreender como estes cromossomas se tornaram tão grandes.
Representa um avanço significativo no estudo e compreensão da determinação do sexo em plantas, incluindo espécies cultivadas.
A existência de cromossomas sexuais nas plantas foi descoberta em 1923 por Kathleen Blackburn em S. latifolia, uns anos depois da sua identificação nos animais por Nettie Stevens. O primeiro gene mestre responsável pela determinação do sexo em plantas foi identificado em 2014, nos dióspiros. Os cromossomas sexuais são caracterizados por regiões não recombinantes de tamanho variável, quase sempre ricas em sequências repetitivas. Esta complexidade tem dificultado a sequenciação dos cromossomas Y e W através de abordagens genómicas convencionais. A sequenciação do cromossoma Y humano exigiu uma abordagem específica que custou 6 milhões de dólares para obter apenas 65 megabases (Mb) de sequências em 2003.
Em S. latifolia – encontrada em zonas rurais da Europa e dos EUA – o cromossoma X mede 400 Mb, quase três vezes o tamanho do cromossoma X humano, enquanto o cromossoma Y mede 550 Mb, quase dez vezes o tamanho do cromossoma Y humano. O cromossoma Y desta espécie é amplamente não recombinante e extremamente rico em repetições, tornando esta planta um verdadeiro ‘Evereste’ no campo da genómica.
Quase um século após a descoberta de K. Blackburn, um consórcio internacional liderado por Gabriel Marais (CIBIO, Associação Biopolis, Portugal; GreenUPorto, Universidade do Porto, Portugal e LBBE, CNRS/Univ. Lyon 1, França), incluindo três outros investigadores do BIOPOLIS-CIBIO (Catarina Branco, Raquel Linheiro e Raquel Tavares), conseguiu sequenciar os gigantes cromossomas sexuais de S. latifolia utilizando uma nova técnica de sequenciação de leitura longa. Para tal, recorreram à experiência e tecnologia do Genoscope, o centro nacional de sequenciação francês, sediado em Évry.
Utilizando uma coleção de mutantes sexuais (hermafroditas ou assexuados) com deleções no cromossoma Y, os investigadores identificaram os genes responsáveis pela determinação do sexo que foram perdidos nesses mutantes. Além disso, analisaram as sequências dos cromossomas X e Y, comparando-as com cromossomas homólogos noutras espécies de Silene sem cromossomas sexuais, de forma a reconstruir a sua evolução.
Os resultados evidenciaram rearranjos cromossómicos que interromperam a recombinação entre os cromossomas sexuais e levaram à acumulação de sequências repetitivas. De forma inesperada, esta acumulação foi observada não apenas no cromossoma Y, mas também na região pericentromérica do cromossoma X.
Este trabalho representa uma peça fundamental para a compreensão da determinação do sexo em plantas com flor. A abordagem utilizada – baseada numa coleção de mutantes – pode ser aplicada a qualquer espécie dióica (ou seja, com indivíduos masculinos e femininos separados). É particularmente útil para plantas com cromossomas sexuais contendo grandes regiões não recombinantes, nas quais estão inseridos muitos genes. Cerca de 13% das plantas cultivadas são dióicas ou descendem de um ancestral dióico, incluindo a videira, o morangueiro, o kiwi, os espargos, a papaia, a tamareira, o cânhamo e o lúpulo.
Em geral, apenas um dos sexos é economicamente útil. Por exemplo, apenas as tamareiras fêmeas produzem tâmaras, apenas as flores femininas são usadas para produzir lúpulo e apenas os espargos machos são consumidos. A identificação dos cromossomas sexuais permite desenvolver marcadores genéticos para a determinação precoce do sexo, possibilitando aos agricultores selecionar apenas o sexo desejado e otimizar a produção. Além disso, a manipulação dos genes responsáveis pela determinação do sexo poderia permitir modificações nos sistemas reprodutivos destas plantas. Por exemplo, poderia facilitar o cultivo de videiras dióicas para um controlo mais preciso do cruzamento entre variedades – um fator essencial no melhoramento vegetal. Da mesma forma, poderia permitir a criação de variedades hermafroditas capazes de autofertilização em culturas dióicas onde tais hermafroditas não existem, garantindo que 100% das plantas cultivadas sejam produtivas.